Este texto propõe-se a abordar de forma analítica uma campanha audiovisual de cunho publicitário, com foco na conceituação de multimodalidade – como forma de atender ao entendimento coerente de texto atual – e na observação de quais estratégias são empregadas como forma de desenvolver um gênero publicitário persuasivo e com propriedades interativas. Para seguir na análise desejada, serão utilizados especialmente os estudos de Bazerman (2021), sobre intertextualidade, e os estudos de Tellis (2004), sobre persuasão na publicidade.
Adiante, constam alguns conceitos importantes por nortearem o viés de análise do texto publicitário.
Levando em consideração o contexto comunicativo para o qual o texto em análise é desenvolvido, importa abordar o conceito de publicidade, que, segundo Marcuschi (2002), se caracteriza por operar de maneira particularmente produtiva na subversão da ordem genérica instituída, chamando atenção para a venda de um produto. Ainda, para o autor mencionado, desenquadrar o produto de seu enquadre normal é uma forma de enquadrá-lo em novo enfoque, para que o vejamos de forma mais nítida no mar de ofertas de produtos.
Além da definição do gênero observado, surge uma outra definição que relaciona-se diretamente com o prosseguimento desta análise, a saber: multimodalidade. E, para isso, recorre-se a Kress (2001, apud RIBEIRO, 2021, p. 26): “texto multimodal é aquele que possui multimodalidade como uma propriedade constitutiva. Esta, por sua vez, é o uso de diversos modos semióticos no design de um produto ou evento semiótico.”
Cavalcante e Dantas (2022, p. 126) colaboram também com uma definição precisa sobre essas considerações em:
[...] todo texto nasce acompanhado das marcas do processo que ajudam a compô-lo, ou seja, todo texto é um texto multimodal desde a sua concepção. Reiteramos: um texto é sempre multimodal. Partindo desta premissa, é importante perceber os diferentes elementos semióticos que ajudam em sua construção de sentido. Isto é, ao ler um texto é necessário considerar seus múltiplos aspectos semióticos, sejam eles visuais, sonoros, gestuais ou linguísticos. Consonante ao que afirma Kress (2001, apud RIBEIRO, 2021, 26), “todos os aspectos da materialidade e todos os modos reunidos em um objeto/fenômenos/texto multimodal contribuem para o seu significado”.
Por sua vez, chega-se à intertextualidade, que, na proposta de Genette, é definida como “uma relação de copresença entre dois ou vários textos, isto é, [...] como presença efetiva de um texto em outro”, de acordo com Genette (2010, p. 12).
Ademais, Carvalho (2018, p. 18-19), em sua tese atual, faz as seguintes considerações sobre intertextualidade:
esse fenômeno como um recurso textual-discursivo por meio do qual se constrói, reproduz ou transforma o sentido. Admitimos a relação intertextual: i) quando há diálogo entre textos específicos, dado pela inserção de partes de um texto em outro, ou pelas modificações operadas em um texto de modo que se transformou em outro, ou, ainda, quando um texto cumpre a função de comentar outro, casos a que chamamos intertextualidade estrita; /ou ii) quando não há a retomada de um texto específico, mas se verifica a imitação entre gêneros do discurso ou entre estilos de autores ou quando um texto alude a conteúdos explicitados em textos diversos, situações a que chamamos intertextualidade ampla.
Paralelamente, é considerada a persuasão na condução deste estudo, visto que é o outro pilar que baseia o foco desta análise. Seguindo o suporte teórico de Tellis (2004, p. 126), a definição de persuasão refere-se à “mudança que é provocada pela razão ou por outros meios mais sutis que não envolvem nenhum raciocínio”. Como, por exemplo: o uso de pistas, como endossantes e emoções, assim como medo ou alegria também.
Diante disso, para se trabalhar os conceitos já introduzidos, segue o corpus da pesquisa e seus aspectos contextuais, a saber: a campanha publicitária “Mansão SKY” criada pela Giovanni+Draftfcb, com o som da canção “Thriller”, de Michael Jackson, e com o tema “Terror é não ter SKY”, uma ação que se passa dentro de uma mansão assombrada, a qual ganha vida após a chegada da SKY.
Essa produção é protagonizada por Gisele Bündchen, que interpreta uma vampira sensual. Somado a isso, a campanha conta também com as participações especiais de Jota Quest, Bernardinho, no papel de Lobisomem e o lutador Vitor Belfort interpretando um inusitado Frankenstein.
A INTERTEXTUALIDADE CONFORME BAZERMAN (2021)
Nesta seção, a intertextualidade será considerada como a relação que cada texto estabelece com os outros textos à sua volta, como definiu Bazerman (2021), ou, ainda, “as relações explícitas e implícitas que um texto ou um enunciado estabelecem com os textos que lhe são antecedentes, contemporâneos ou futuros (em potencial).” (IDEM, 2021, p. 142).
Bazerman (2021) elenca 6 técnicas de representação dessa estratégia de textualidade, as quais encontram-se expostas a seguir.
Dito isso, o trabalho segue para análise da intertextualidade presente no texto audiovisual “Mansão Sky”, conforme a descrição de Bazerman (2021) e sua respectiva indicação de metodologia de análise e exposição, as seis técnicas de representação intertextual.
Como é percebido sobre a intertextualidade, conforme Bazerman também descreveu, é a partir de textos que entendemos outros textos e a riqueza de sentidos que é possível desenvolver ao se atentar às relações construídas entre as representações textuais multimodais.
E, diante disso, é interessante perceber outra interface presente em textos como o caso do gênero publicitário, a saber: a persuasão, a qual será o foco da próxima seção.
A PERSUASÃO EM PUBLICIDADE CONFORME TELLIS (2004)
Para Tellis (2004), a persuasão refere-se à mudança que é provocada pela razão ou por outros meios mais sutis que não envolvem nenhum raciocínio. E nisso constam: argumento – convencimento do público-alvo sobre uma mensagem –, emoção – energias humanas de convencimento – e endossamento – base de referência a partir de um indivíduo, conhecido ou não, leigo ou especialista.
Dito isso, será verificado como/quais aspectos da persuasão são encontrados em “Mansão Sky” considerando o texto de Tellis (2004) como base de análise.
Partindo do argumento, a primeira observação é sobre a frase de efeito entregue ao final do vídeo publicitário – “Terror é não ter Sky” –, interpretação a partir da mensagem que compara o produto/marca à possibilidade de não se tê-lo/a, mesmo que de forma geral, sem citações específicas de concorrentes. Dessa forma, considera-se o argumento comparativo.
Ainda sobre essa face da persuasão, à medida que há um argumento comparativo sobre a possibilidade de não se ter o produto anunciado, a forma de conclusão abordada na campanha expressa uma refutação quanto à expectativa decorrente do enredo em andamento no vídeo “Mansão Sky”, o que quebra a linearidade quando a vampira tem uma atitude totalmente diferente da esperada – morder a vítima –, associando a tensão do telespectador à experiência de não dispor do produto em questão, o que diverge da tensão produzida durante os acontecimentos da narrativa, um comparativo que indica um argumento refutacional.
Vale citar que há na persuasão os argumentos inoculativo, de suporte e enquadramento, entretanto, constam neste texto somente a descrição dos casos presentes/entendidos no texto “Mansão SKY”.
Assim como os casos de argumentos que constam nas estratégias persuasivas de Tellis (2004), há também as energias humanas influenciadoras e que não dependem do raciocínio, a saber: emoções. Citado isso, a análise seguirá com foco na emoção.
Para entender melhor a emoção na publicidade, importa mencionar como essa estratégia persuasiva é exposta ao público, como o caso implícito. Esse modo é caracterizado assim pela incorporação de mensagem em todos os aspectos relacionados à narrativa em exposição, apenas capturando a atenção do espectador.
Como exemplos desse modo abordado na obra analisada, consta o fundo sonoro: desde o uivo de lobo às sonoridades apresentadas que seguem a mesma linha do gênero filme de terror, induzindo o leitor a sentir a experiência também. A narrativa também reforça esse apelo à emoção, uma vez que o local, os personagens e as ações remetem ao medo, ao terror e ao sobrenatural até. Mesmo que não haja uma coerção direta, o trajeto que o enredo segue proporciona esse apontamento.
Assim como há um modo, há métodos de despertar a emoção. No texto analisado para esta pesquisa, consta o drama – uma interação de um ou mais personagens em torno de um enredo. Como exemplo disso, são os monstros/personagens reunidos em torno do entregador da encomenda e nisso a ação se desenvolve até chegar ao clímax do episódio. Todas as ações e emoções sentidas ao ver como o entregador é coagido em seu caminho até receber o beijo da vampira. O clímax/desfecho concluem essa tese considerada aqui, pois o drama apresentado é uma reflexão e tanto.
Somado ao exposto, há efeitos também que apoiam essa estratégia de emoção presente em publicidade, dos quais dois foram observados nesta análise, como, por exemplo: humor e música. O primeiro caso, humor, refere-se à surpresa irreverente diante de uma expectativa, como bem acontece na cena de conclusão da campanha da Sky, quando, em vez de morder o entregador e sugar o seu sangue, a vampira que ganha vida nesse episódio surpreende com uma quebra de expectativa, o que caracteriza com uma representação cômica sobre tal acontecimento. Junto ao humor, encontra-se a música, permutações e combinações de elementos importantes. Como exemplo: a trilha de fundo musical que é utilizada, que remete à música fonte. Os sons naturais e sobrenaturais presentes na narrativa exemplificam como os aspectos presentes em tela são capazes de influenciar.
Quanto ao endossamento, constam celebridades na peça publicitária, como: Gisele Bündchen como vampira; Jota Quest, Bernardinho no papel de Lobisomem e o lutador Vitor Belfort interpretando Frankenstein. Personalidades conhecidas mundialmente, o que dá credibilidade ao produto utilizado, fundamentando a qualidade do que se oferece, qualidade e benefício que são relacionados aos contratados para encenarem em favor da marca. Ademais, estão presentes os leigos também, como o entregador do aparelho da Sky e demais atores que caracterizados como monstros mesmo.
Por fim, há também credibilidade da fonte como uma das teorias, que considera a aceitação da mensagem por parte do público-alvo. Leva-se em consideração o conjunto de referências utilizadas a publicidade para passar o máximo de confiança e interesse possível, como contratação e uso de personalidades reconhecidas mundialmente, que dão um suporte em relação ao produto e seu uso, uma vez que sempre se passa a imagem de uso. Além das personalidades já mencionadas, que são um sucesso, há uma mensagem compartilhada de que o produto é utilizado, como uma forma de persuadir o alvo com a ideia de uso por uma grande pessoa.
Segue um registro da recepção por meio dos comentários para ilustrar o parágrafo anterior:
Diante das interpretações do texto multimodal “Mansão SKY” a partir dos textos-base, considera-se as estratégias presentes nos textos de cunho publicitário, como um avanço no entendimento das interfaces e construções de sentido possíveis por meio do texto, suas semioses e referências. Além disso, converge com o entendimento sobre o avanço nas nos modos como um texto é construído, como evidenciam as camadas de argumentação, emoção e intertextualidade, uma pluralidade possível pelo entendimento do texto multimodal. Dessa forma, as observações de Bazerman (2021) e Tellis (2004) mantêm-se coerentes quanto à leitura dos objetivos empregados na publicidade.
REFERÊNCIAS
BAZERMAN, C.; HOFFNAGEL, J. (Org.) ; DIONISIO, A. P. (Org.) . Gênero, Agência e Escrita. 2. ed. Recife: Pipa Comunicação, Campina Grande: EDUFCG, 2021. 230 p.
CARVALHO, Ana Paula Lima de. Sobre intertextualidades estritas e amplas.135 f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2018.
CAVALCANTE, L.; DANTAS, L. Lendo obras literárias adaptadas para HQs: ampliação de significados por meio da interpretação da multimodalidade. In: TEIXEIRA, E.; SILVA, B. A. da [orgs.] Metodologias Ativas e Multiletramentos no Ensino de Linguagens. São Carlos: Pedro & João Editores, 2022. 210 p.
GENETTE, G. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Belo Horizonte: Viva Voz, 2010.
MANSÃO SKY, 2013. 1 vídeo (1min). Publicado pelo canal MRLovaticVEVO. Disponível em: https://youtu.be/oofwJqRVovg. Acesso em: 21 de nov. de 2022.
MARCUSCHI, Luiz Antônio et al. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. Gêneros textuais e ensino, v. 2, p. 19-36, 2002.
RIBEIRO, A. E. Multimodalidade, textos e tecnologias: provocações para a sala de aula. São Paulo: Parábola, 2021.
TELLIS, G. J. Effective advertising: understanding when, how, and why advertising works. California: Sage publications 2004.
THRILLER, 2009. 1 vídeo (14min.). Publicado pelo canal Michael Jackson. Disponível em: https://youtu.be/sOnqjkJTMaA%20Michael%20Jackson%20-%20Thriller%20(Official%204K%20Video) Acesso em: 21 de nov. de 2022.