A intertextualidade é um tema amplo, o qual teve sua origem na Teoria Literária, em 1960, a partir da escritora, crítica literária, psicanalista e feminista búlgaro-francesa Julia Kristeva. Importa acrescentar que esse tema surgiu baseado no postulado do dialogismo bakhtiniano, tendo Bakhtin como uma influência ao se considerar a impossibilidade de avaliação e de compreensão de um enunciado/texto isoladamente, visto que este sempre dialoga com outros textos.
O seu desdobramento conta com alguns conceitos-chave em seu desenvolvimento, como em meados dos anos 60, quando o entendimento sobre texto era reduzido ao de uma entidade abstrata – signo linguístico primário (HARTMANN, 1968 apud KOCH, BENTES e CAVALCANTE, 2008), período de ênfase nas relações sintático-semânticas, coesão textual. Posteriormente, em um segundo momento, em 70, com influência das teorias enunciativas – como a Teoria da Atividade Verbal, a Teoria dos Atos de Fala e a Teoria da Enunciação – e a virada pragmática, vários outros fatores passaram a ser considerados também – tais como: intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade, intertextualidade, descritos em Marcuschi (2008) como critérios de textualização atribuídos primeiramente a Beaugrande e Dressler (1981), culminando no objeto de estudo texto em funções (SCHMIDT, 1978 apud KOCH, BENTES e CAVALCANTE 2008). Já em 80, a Linguística Textual contou com os processos de ordem cognitiva, responsáveis pela construção de sentidos, ampliando o conceito de texto, o objeto da Linguística Textual. Em 90, ocorreu a reviravolta sobre a qual resultaria paradigmas presentes em pesquisas desenvolvidas até este momento. Neste caso, são considerados o sociocognitivismo e o interacionismo bakhtiniano, convergindo ações linguísticas, cognitivas e sociais.
Vale ressaltar que esse tema é pesquisado sob a ótica de distintas teorias, a exemplo: Análise do Discurso, Linguística Antropológica e Teoria Literária.
Carvalho (2018, p. 18-19), em sua tese, faz as seguintes considerações sobre intertextualidade:
esse fenômeno como um recurso textual-discursivo por meio do qual se constrói, reproduz ou transforma o sentido. Admitimos a relação intertextual: i) quando há diálogo entre textos específicos, dado pela inserção de partes de um texto em outro, ou pelas modificações operadas em um texto de modo que se transformou em outro, ou, ainda, quando um texto cumpre a função de comentar outro, casos a que chamamos intertextualidade estrita; /ou ii) quando não há a retomada de um texto específico, mas se verifica a imitação entre gêneros do discurso ou entre estilos de autores ou quando um texto alude a conteúdos explicitados em textos diversos, situações a que chamamos intertextualidade ampla.
A intertextualidade, na proposta de Genette, revela um caráter restritivo, definida como “uma relação de copresença entre dois ou vários textos, isto é, [...] como presença efetiva de um texto em outro” (GENETTE, 2010, p. 12). E, como tipos de intertextualidade, são elencados a citação, a alusão e o plágio, os quais serão retomados em seguida.
Em Piègay-Gros (2010), há uma adaptação do quadro teórico-classificatório de Genette (2010), sendo o deslocamento categórico da transtextualidade para a intertextualidade a principal questão, conferindo que a concepção restritiva de Genette sobre a intertextualidade foi ampliada.
Figura 1 – Relações intertextuais conforme Piègay-Gros (2010)
Fonte: Cavalcante (2012)
Quanto aos tipos de intertextualidade, constam neste texto os exemplos encontrados em Piègay-Gros (2010), elencados a seguir.
A iniciar pelas relações de copresença - as quais definem-se pela inserção efetiva de parte de um texto em outro -, distingue-se a citação: “[...] inserção de um texto no outro.” (PIÈGAY-GROS, 2010, p. 220) marcada por explicitude e marcas tipográficas.
Piègay-Gros (2010, p. 221) menciona ainda que:
Simples e evidente, a citação se impõe no texto, sem exigir do leitor uma perspicácia ou uma erudição particular. Seu reconhecimento se subentende, mas a maior atenção deve ser dirigida à sua identificação e à sua interpretação: a escolha do texto citado, os limites de seus recortes, as modalidades de sua montagem, o sentido que lhe confere sua inserção dentro de um contexto inédito... são também elementos essenciais na sua significação.
Em seguida, há a referência, uma forma explícita de intertextualidade semelhantemente à citação, entretanto, nesta, não há menção direta ao texto ao qual se remete.
Figura 2 – Caronte
Fonte: Não Entre Aki (2015) apud Carvalho (2018)
Na imagem acima, a partir da construção de sentido do leitor e das relações intertextuais, infere-se uma referência a Caronte, o barqueiro do Hades, da Mitologia Grega, o qual tem a tarefa de conduzir almas de recém-falecidos sobre as águas dos rios Estige a Aqueronte, que dividiam o mundo dos vivos do mundo dos mortos.
Adiante, considera-se também o Plágio, forma a qual Piègay-Gros (2010) se refere como que está para a intertextualidade implícita como a citação está para a intertextualidade explícita, definindo-se de maneira resumida, mas forma precisa, como uma citação não marcada. “Plagiar uma obra é, então, citar uma passagem dela, sem informar que não somos o seu autor.” (PIÈGAY-GROS, 2010, p. 224).
Já a alusão, por sua vez, é muitas vezes comparada à citação, mas por motivos completamente diferentes, já que ela não é nem literal e nem explícita, pode parecer mais discreta e mais sutil, conforme Piègay-Gros (2010), muitas vezes assumindo uma simples forma de uma retomada mais ou menos literal e implícita.
Como exemplo:
Figura 3 – Giacometti Cria Campanha Para Marisa
Fonte: Giacometti (disponível em: https://www.eagora.com.br/noticias_ler.php?nws-news=80878&nwscanal=4922#.Y0ejfnbMK01) apud Carvalho (2018)
Observa-se que a imagem e o texto escrito evocam a narrativa bíblica do livro de Gênesis, o momento em que Adão e Eva cederam à tentação de provar do fruto do conhecimento do bem e do mal, um exemplo de como esse tipo de relação entre textos ocorre.
E quanto às relações de derivação, considera-se que a paródia e o pastiche são os dois grandes tipos de relação de derivação que relacionam um texto ao outro: o primeira se apoia numa transformação, e o segunda, numa imitação de elementos estruturais do texto, conforme Piègay-Gros (2010).
A paródia, segundo Piègay-Gros (2010), consiste na transformação de um texto cujo conteúdo é modificado, mesmo conservando o estilo. Diante dessa definição, consta o seguinte exemplo:
Figura 4 – Oração dos concurseiros
Fonte: Cavalcante (2012).
Vê-se na figura 4 alterações no desenvolvimento da Oração do Pai Nosso, alterando assim a obra original e caracterizando uma forma intertextualidade.
O pastiche, por sua vez, introduzido na França durante o século XVIII, com referência às imitações dos pintores da época, consiste na imitação de um estilo. Isso de forma não direta, ou seja, não literal. Como exemplo desse caso, Piègay-Gros (2010) cita o seguinte caso em seu texto: Da mesma forma, o emprego da conjunção coordenativa “e”, tão próprio de Flaubert, é sistematizado por Proust:
Para encerrar, [o Presidente] confere os retratos dos presidentes Grévy e Carnot, colocados acima do tribunal; e cada um, levantando a cabeça, constata que o bolor os havia atingido.(...) Todos, até o mais pobre, teriam sabido – era certo – obtido milhões. Mesmo se eles os viam diante deles, na violência do pesar, em que se acredita possuir aquilo pelo qual se chora. E muitos se entregaram, mais uma vez, à doçura dos sonhos que tinham concebido, quando tinham entrevisto a fortuna, com a notícia da descoberta, antes de haver despistado o bandido.
Observando que, cinco vezes, num texto curto, ele emprega a conjunção no início de uma proposição. O autor o repete à exaustão; o efeito de concentração assim obtido confere ao texto sua dimensão lúdica. O pastiche constitui, assim, o pêndulo da análise crítica: em “À propos du ‘style’ de Flaubert”, Proust assinalava, com efeito, que “a conjunção ‘e’ não tem de modo algum em Flaubert o objetivo que lhe atribui a gramática. Ela marca uma pausa numa medida rítmica e divide um quadro”. Ele acrescenta que “Flaubert a emprega onde ninguém teria a ideia de fazê-lo".
Por fim, aponta-se neste texto considerações sobre a interdiscursividade, em paralelo com a intertextualidade. Fiorin (2003) escreveu que ambos os fenômenos se referem à presença de duas vozes num mesmo segmento discursivo e textual: a intertextualidade “um processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo”, e a interdiscursividade “o processo em que se incorporam percursos temáticos ou figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outros.”
Dessa forma, interdiscursividade não infere necessariamente a intertextualidade, “embora o contrário seja verdadeiro, pois, ao se referir a um texto, o enunciador se refere, também, ao discurso que ele manifesta”, Fiorin (2003, p. 35).
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Ana Paula Lima de. Sobre intertextualidades estritas e amplas.135 f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza, 2018.
CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade e psicanálise. Calidoscópio. v. 10, n. 3, 2012, p. 310-320.
FIORIN, J. L. Polifonia textual e discursiva. In: BARROS, D. L. P.; FIORIN, J. L. (orgs.). Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade. São Paulo: EDUSP.
GENETTE, G. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Belo Horizonte: Viva Voz, 2010.
KOCH, I. G. V.; BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. C. Intertextualidade: diálogos possíveis. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola editorial, 2008.
PIÈGAY-GROS, N. Tipologia da intertextualidade. Intersecções – Revista sobre práticas discursivas e textuais, ano 3, n 1, São Paulo, 2010, p. 220-244.
Oi. Parabéns! mas depois vou fazer uma melhor leitura.
ResponderExcluirObrigado pela interação!
ExcluirGostei muito de como você conceituou a temática e pontuou exemplificando.
ResponderExcluirObrigado pela interação!
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